domingo, 25 de setembro de 2016

    Popa semi encalhada do antigo Navio Escola Almirante Saldanha no local onde se encontra
abandonado na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)  
    Vista lateral do casco semi encalhado do antigo Navio Escola Almirante Saldanha no local onde se     encontra abandonado na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)  
(Ver mais fotos abaixo do texto)

Primeiro foi uma pequena informação na matéria “Nau Capitânia”  publicada  na Revista do Clube Naval nº 307 , depois, no mesmo mês, a confirmação na notícia publicada no jornal O Globo em O Globo de 11/9/98 onde resumia que o estaleiro holandês Damen Shipyard havia sido incumbido de construir o veleiro que iria servir de navio-escola para a Marinha Brasileira, ao custo de US$ 30 milhões, criando empregos equivalentes a 200 mil homens/hora.
Tratava-se no atual veleiro da Marinha Brasileira CISNE BRANCO - NVe (U-20) que alem de Navio Escola exerce funções diplomáticas e de relações públicas desde Março de 2000 quando foi incorporado.

Era a constatação de que a Marinha Brasileira voltaria a ter um grande veleiro como navio-escola. Seria louvável a atitude, considerando que praticamente todas as marinhas do mundo mantém a tradição , se não significasse a prova de como se podem desperdiçar  as oportunidades que se tem a mão, como foi o caso do Brasil.
A Marinha Brasileira  teve até quase o final do século  passado ( Século XX) não apenas um, mas dois dos maiores, mais bonitos e imponentes veleiros do mundo .
Foram o Almirante Saldanha e o Guanabara , que ainda estão vivos em nossa memória.
O Guanabara foi recebido como indenização e presa de guerra depois da 2ª Guerra Mundial. Capturado em perfeitas condições pelos Norte Americanos, foi entregue ao Brasil e incorporado à Marinha em 1948. Mais tarde, em 1972 no mesmo surto de modernização da frota que mutilou o Almirante Saldanha  foi doado à Marinha de Portugal, recebendo o nome de Sagres (veja quadro).

Mas indiscutivelmente foi o Almirante Saldanha o mais charmoso e elegante veleiro que já tivemos. Encomendado a estaleiros ingleses em 1932, durante 30 anos foi utilizado para formar oficiais, sendo famosas as suas viagens anuais de circunavegação com os cadetes recém-formados pela Escola Naval.
Ele foi chamado por muitos de Cisne Branco , apelido originário do Hino da Marinha Brasileira, embora na realidade outros 2 navios tivessem ostentado verdadeiramente este nome.
Ele chegou a ilustrar uma famosa lata de biscoitos Aymoré nas décadas de 40 e 50 hoje disputada por colecionadores de antigüidades.
Infelizmente foi vítima da maior ofensa e degradação que pode ser dada a um veleiro. Em 1964, depois de já ter sido transformado no ano de 1959 em Navio Hidrográfico e substituído pelo Guanabara nas viagens de instrução, teve todos os seus mastros arrancados,  seu convés modernizado com a inclusão de uma nova superestrutura incluindo chaminé aerodinâmica e corte de seu castelo de popa, com a retirada integral da cabine do comandante (uma peça de 13 toneladas, que é capaz de ainda estar por aí, em algum canto), de forma a facilitar espaços para os arcos de arrasto de pesca e apreensão de materiais marinhos em seu aparcelamento como Navio Oceanográfico.
O Almirante Saldanha  assim aleijado continuou servindo à Marinha até ser abandonado como sucata .
Felizmente esta euforia de modernização da Marinha que  na época não levou em conta as mais altas tradições navais  parece ter se encerrado, com a volta às suas origens, e o desejo de se possuir novamente um grande veleiro para instrução naval.
Até aí, a atitude é louvável.
Mas por que comprar um novo veleiro, se o nosso Almirante Saldanha ainda existe, a poucos metros da principal Base Naval do Brasil, no Mocanguê em Niterói ? O velho Cisne Branco  está ali, semi-adernado mas inteiro e flutuando, escondido por detrás da Ilha da Conceição, sendo possível avista-lo da entrada da Ponte Rio- Niterói (sentido Niterói-Rio).
Em todo o mundo Marinhas de Guerra e instituições particulares fazem o possível e o impossível  para recuperar velhos veleiros. Um casco como este, inteiro e flutuando não tem preço, quando se sabe que expedições milionárias retiram cascos naufragados do fundo do mar para coloca-los novamente em forma. Qualquer brasileiro que já tenha ido a New York e visitado o Píer 17 deve ter visto 2 grandes veleiros ali atracados. Um de casco preto, e outro cinza. Ambos são embarcações recuperadas, e o pintado de  cinza foi construído como veleiro no final do século passado, transformado em navio cargueiro a vapor por volta da 1ª Grande Guerra quando seus mastros foram retirados e depois abandonado semi submerso na Patagônia na década de 40. Mesmo assim foi recuperado há poucos anos, levado para os Estados Unidos , e lá vem sendo remontado pacientemente com a instalação de mastro idênticos aos originais, e exposto à visitação pública (custa US$ 2,00 a visita por pessoa) .
Ora, um casco construído em 1933 certamente deve estar melhor do que um 40 anos mais velho, ainda mais levando em conta que era conservado pela Marinha do Brasil, que sempre se esmerou neste item. Alem disto, sabe-se que grande parte do desmonte original feito na reforma de 1964 foi parar em acervos de instituições da Marinha, o que facilitaria em muito a recolocação de algumas peças como partes dos mastros, armamento original, cabine do comandante , alem de se possuir plantas completas do veleiro, e maquetes perfeitas, como a de quase 1,5 metros existente no Museu Naval do Rio de Janeiro (Av. Don Manoel 35, Centro) cedida pelos próprios fabricantes por ocasião da entrega do veleiro ao Brasil.
Ainda hoje quando se olha de perto o Almirante Saldanha suas linhas impressionam. Seu comprimento, de 93 metros é apenas 30 metros inferior às Fragatas da classe Niterói, espinha mestra de nossa marinha (veja quadro). Seu casco, embora enferrujado, mas de aço naval de 1ª qualidade ainda ostenta o seu nome gravado em ambos os lados.
E, como um velho Cisne Branco, aguarda ansioso alguém que se lembre de que, se seu passado é de glórias, quem sabe ainda lhe restaria um futuro, com suas grandes asas de pano com mais de 7.800 m2 de área a espera de um bom vento.


Antonio Luiz Accioly Netto

NE/NOc 
Almirante Saldanha -
U 10/H 10
Classe Almirante Saldanha

D a t a s
Batimento de Quilha: 11 de junho de 1933 
Lançamento: 19 de dezembro de 1933
Incorporação: 11 de junho de 1934
Baixa: 6 de agosto de 1990

C a r a c t e r í s t i c a s 
Deslocamento: 3.325 ton (carregado).
Dimensões: 93.39 m de comprimento, 15.85 m de boca e 5.50 m de calado.
Propulsão: velas, armado em lúgar-escuna, de quatro mastros e 19 velas; e diesel com 1 motor diesel de 1.400 hp, acoplado a 1 eixo com hélice de quatro pás.
Velocidade: de cruzeiro de 9 nós e máxima de 14 nós (motor).
Raio de Ação: 10.000 milhas a 9 nós.
Armamento original: 
4 canhões Armstrong de 4 pol. (L/75 de 102 mm) de tiro rápido em 2 torres duplas
4 canhões de 47 mm
1 metralhadora A.A. de 0,5 pol.
1 tubo lança torpedo de 21 pol.( 533 mm.)
1 canhão de A.A. de 3 pol. (75 mm.)
1 metralhadora de 7 mm.

Código Internacional de Chamada: PWSA
Tripulação: 460 homens, sendo 22 oficiais, 61 suboficiais e sargentos, 317 cabos e marinheiros, 16 segundos-tenentes, 40 guardas-marinha e 4 civis.
Custo : 314.500 Libras Esterlinas
Estaleiro : Vickers Armstrong of Barrow in Furness ,Inglaterra

Modificação :
Reclassificado com  Navio Oceanográfico em  Agosto de 1964
Totalmente reformado em sua superestrutura e com a retirada de toda sua mastreação  em 1964.

Estado Atual :
Abandonado como sucata encalhado na Ilha da Conceição em Niterói até meados de 2010.
Em 2017 foto aérea no Google Map não mostrava mais nenhum casco que se assemelhasse ao Almirante Saldanha no local onde esteve por várias décadas. 

Curiosidade:
O Almirante Saldanha foi um dos maiores veleiros do mundo construído no século passado.
Serviu como modelo para o Navio Escola Chileno Esmeralda construído em 1952 pelo estaleiro espanhol Echevarrieta Yard de Cadiz, que  era uma cópia do Navio Escola Espanhol Juan Sebastian de Elcano lançado pelo mesmo estaleiro de Cadiz em 1927, e que por sua vez inspirou o desenho de Almirante Saldanha, tendo sido lançado ao mar antes deste . Todos estes NE ainda estão em atividade em suas respectivas Marinhas de Guerra e costumam participar de grandes regatas comemorativas.

Os antigos veleiros de instrução da Marinha Brasileira

GUANABARA   NE-2

Comprimento : 91 metros
Boca : 11,8 ms.
Calado : 4,8 ms.
Deslocamento :
1.634 toneladas
Tripulação : 289 homens, sendo 200 alunos
Mastreação : 3 mastros , o maior com 48 ms. de altura
Área vélica : 6.524 m2 (Velocidade com velame : acima de 18 nós)
Motor auxiliar : Diesel MAM 700 H.P. (Velocidade no motor : 10 nós)

Armamento:
2 canhões  MG

Lançado ao mar em 31 de Outubro de 1937
Custo ao Brasil : US$ 1,00 (*)
Estaleiro : Blohm & Voss , Hamburgo, Alemanha

Vendido para Portugal por US$ 1,00 em 2 de Julho de 1972 (*) e rebatizado como SAGRES.

(*) Na realidade, tanto para o Brasil como para Portugal a venda foi uma doação, o valor de US$ 1,00 é apenas simbólico

Informações Complementares:

O ex-Guanabara foi construído junto a mais 3 outros irmãos gêmeos pela Alemanha antes da II Guerra Mundial para formar seus novos oficiais navais.
O ex-Guanabara foi lançado com o nome de Albert Leo Schlageter, e seus outros irmãos foram o Horst Wessel lançado em 1936, rebatizado  EAGLE  e incororado Marinha de Guerra dos Estados Unidos e o primeiro Gorch Foch lançado em 1933, rebatizado  TOVARISCH na Marinha de Guerra da Rússia (ex-USRR).Todos foram capturados intactos como reparação por perdas e danos  pelos Estados Unidos ao final da Guerra em 1945 . O 4º. casco ficou incompleto por vários anos até que a Alemanha o terminou e colocou em serviço também como navio escola em 1958 com o mesmo nome do primeiro anterior GORCH FORCH . Todos da classe Horst Wessel. Os veleiros SAGRES,  EAGLE  , TOVARISCH e  GORCH FOCH continuam em operação e assim como os primos do Almirante Saldanha participando inclusive de  regatas oceânicas ou comemorativas para veleiros de grande porte , sendo que o SAGRES costuma visitar o Brasil com frequência. (Fonte : Jame´s Fighting Ships)

      O autor se aproxima em sua lancha do Cemitério de Navios onde se encontra encalhado o antigo       Navio Escola Almirante Saldanha na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)
    Na medida em que se aproxima da popa semi encalhada do antigo Navio Escola Almirante Saldanha no local onde se encontra abandonado na Ilha da Conceição em Niterói pode-se ver a situação atual do seu casco  (Foto do Autor)  
Ao se chegar próximo pode-se ver claramente o nome ALMIRANTE SALDANHA em alto relevo em seu costado de bombordo no local onde se encontra abandonado na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)   

Costado de bombordo do antigo Navio Escola Almirante Saldanha no local onde se encontra
abandonado na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)  
Magnífica e majestosa vista de bombordo do antigo Navio Escola Almirante Saldanha no local onde se encontra abandonado na Ilha da Conceição em Niterói (Foto do Autor)  
A famosa lata de biscoitos Aymoré, sonho de toda criança na década de 50 e hoje peça disputada por colecionadores de antiguidades, com a foto do veleiro NE Almirante Saldanha estampada (Foto e coleção do Autor)
Duas vistas da grande maquete do Almirante Saldanha exposta no Museu Naval do 
Rio de Janeiro.Esta maquete foi feita pelo estaleiro Vickers Armstrong Ltd. e foi entregue 
juntamente com o veleiro em 1933 quando ele foi incorporado à Marinha Brasileira ,
(Fotos do Autor) 
Foto publicada no jornal O GLOBO em 2004 mostrando navios abandonados na Ilha da Conceição em Niterói. Assinalada com a seta vermelha está o ALMIRANTE SALDANHA
Reportagem publicada no jornal O GLOBO em 6/6/2004 sobre os cemitérios 
de navios localizados na Baía de Guanabara (Rio de Janeiro).